(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Modinha – Adélia Prado



"Quando eu fico aguda de saudade eu viro só ouvido.
Encosto ele no ar, na terra, no canto das paredes,
pra escutar nefando, a palavra nefando.
Um homem que já morreu cantava “a flor mimosa
desbotar não pode, nem mesmo o tempo
de um poder nefando” – mais dolorido canta
quem não é cantor.
A alma dele zoando de tão grave, tocável
como o ar de sua garganta vibrando.
No juízo final, se Deus permitisse,
eu acordava um morto com este canto,
mais que o anjo com sua trombeta."

(In: Bagagem. Rio de Janeiro: Record, 2006, p.129)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Sobre o Tempo e a EternaIdade - Rubem Alves



“É assim que ficam os meus olhos, é assim que fica o meu mundo, quando a saudade se aconchega no meu colo, quando a velhice brinca comigo... Os olhos normais veem as ruas, os muros, os jardins, do jeito mesmo como eles são, do jeito mesmo como apareceriam se deles se tirasse uma fotografia. Já os olhos que a saudade encantou ficam dotados de estranhos poderes mágicos: eles veem as ausências, o que não está lá, mas que o coração deseja.”

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Hoje canções - Nana Caymmi



"Gosto de ouvir
O mar me dizer
Coisas que eu sonhei
Sem saber
Navegar o tempo é sempre assim
Começa pelo fim

Tantas paixões
No sol do verão
Hoje canções
No meu coração
A saudade traz você pra mim
E a espera não é ruim

Pois tem sol
E um mar
Da cor do céu
Do amor

Gosto de ver
O sol despertar
Outros verões
No seu coração
Navegar a vida é se entregar ao sonho
Longo, breve
Louco, leve
Mas seu"

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Canto a mim mesmo - Walt Whitman

(Praia de Búzios - Natal - RN)


Ser de uma forma qualquer
– o que é isso?
(Giramos e giramos, todos nós,
e sempre voltamos ao mesmo ponto.)
Se nada houvesse mais evoluído,
a ostra em sua calosa concha
deveria bastar.

Não tenho calosa a concha:
tenho instantâneos condutores
por mim todo,
esteja eu parado ou em movimento,
e eles apreendem todas as coisas
e sem dano as conduzem
através do meu ser.

Eu simplesmente me animo e tateio,
sinto com os dedos e fico feliz:
tocar com a minha a pessoa de outrem
é quase o máximo
a que eu posso resistir.”

(Leaves of Grass - fragmentos, Tradução de Geir Campos)

Canções da Experiência - William Blake


Um amanhecer no inverno do sul...


"O Ontem, o hoje, o amanhã, ora vos digo.
Eis que ouvi o anunciado
Pelo Verbo Sagrado,
Que caminhou pelo pomar antigo,

No orvalho da noite a chorar,
e a convocar de volta a alma perdida;
Que pode controlar
Até o pólo estelar,
E também renovar a luz caída!

Retorna, oh, Terra, vem agora!
Deixa a relva orvalhada em que tu dormes;
A noite vai-se embora.
E já desponta a aurora
Das massas sonolentas e disformes.

Não, não queiras mais te afastar.
Porque alguém como tu se afastaria?
Todo o chão estelar,
Toda a costa do mar,
Hão de ser teus até que rompa o dia."

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Coração Ateu - Maria Bethânia




"O meu coração ateu quase acreditou
Na tua mão que não passou de um leve adeus
Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou

Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo meu coração ateu

Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento já me despedi
Meu coração ateu não chora e não lembra
Parte e vai-se embora."


(Composição: Sueli Costa)


domingo, 1 de julho de 2012

Poema XXXI - Paulo Leminski



"Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima."

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Indivisíveis - Mario Quintana


“O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.

Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal – ou celestial – inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a vida...” 

sábado, 7 de abril de 2012

Ausência - Carlos Drummond de Andrade


"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."

terça-feira, 13 de março de 2012

Ausência - Vinícius de Moraes



“Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.


Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.”

domingo, 11 de março de 2012

Todas as vidas - Cora Coralina



"Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras."


(Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 - S.Paulo, Brasil)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Indiferente - Affonso Romano de Sant'Anna



“Como pássaros batendo na vidraça
minhas palavras caem aos teus pés.
Sem penetrar teu blindado ouvido
algumas sílabas
entrecortadas
no chão ainda se estertorando.
Ouves alheia, segues caminhando.
São cacos de palavras.
Mas teus pés não sangram.”


domingo, 5 de fevereiro de 2012

Saudades da Bahia...


Praia do Espelho , em Trancoso, distrito de Porto Seguro (BA)

domingo, 29 de janeiro de 2012

Pagu - Rita Lee




"Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Eu sou pau prá toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Hum! Hum! Hum! Hum!
Minha força não é bruta
Não sou freira
Nem sou puta...
Porque nem!
Toda feiticeira é corcunda
Nem!
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem
Nem!
Toda feiticeira é corcunda
Nem!
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem...
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Fama de porra louca
Tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Não sou atriz
Modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem!
Toda feiticeira é corcunda
Nem!
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem..."