(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


terça-feira, 3 de novembro de 2009

Canção - Pablo Neruda




"Mas agora
que eras a água em minha vertente,
eras a polpa do meu pão,
eras a sombra da minha gruta,
a resina do meu pinhal,
a asa do meu vôo esperto,
o guizo do meu manancial,
o alúmen agrário do meu horto,
a transparência do meu cristal,
doce fruto recém-mordido
que de doce me fazia mal,
voz de regresso e de partida,
mel de corola e de panal,
senda, em que meus pés se apressavam
como no imã o aço,
coração meu que em meu peito
talvez tivesse estado mal,
ponte entre Deus e a minha tristeza,
taça do céu sobre o mar,
pasto estrelado de rocios,
flor do pecado capital,
odor de sol e de caminho
num crepúsculo campestre
à sombra de um macieiral,
fina antena que me roçava,
punhal agudo que me matava,
ar, terra, canções, mar
astros da noite azulada,
sobre o horizonte polar,
eras caminho que seguir,
luz de estrelas de guiar,
e que além de conduzir
eras a terra a que chegar..."

(In: O Rio Invisível)