(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


sábado, 18 de dezembro de 2010

Dialética - Vinícius de Moraes




"É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste..."



O livro que não leste - J.B.Xavier




"De quais ignotos mundos transcendeste,

Para perder-te assim em meu passado?

E ao te perder perdi meu sonho amado...

A quais ignaros mundos pertenceste?


Por que à ignávia lassidão cedeste?

E por que teu amor tens abrandado

Se por ti eu teria abandonado

De novo toda a vida que me deste?


Em quais ignóbeis mundos te perdeste

Vagando assim ao léu desencantado,

Que ao ferir-me sequer te apercebeste?


Eu sou a sinfonia que fizeste,
E o amor que te dedico, abnegado
É o livro da tua vida, que não leste!"

O Intenso Brilho - Adélia Prado





"É impossível no mundo
estarmos juntos
ainda que do meu lado adormecesses.
O véu que protege a vida
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
Aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão."


sábado, 6 de novembro de 2010

Dois ou três almoços, uns silêncios - Caio Fernando Abreu (Fragmento)



“Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.”

(Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Adormece o teu corpo com a música da vida - Cecília Meireles


"Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.

Esquece-te.

Tem por volúpia a dispersão.

Não queiras ser tu.
Queres ser a alma infinita de tudo.

Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.

O único.

Vence a miséria de ter medo.

Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?

Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?"


domingo, 3 de outubro de 2010

Paulo Leminski





"Quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante"

domingo, 5 de setembro de 2010

Fragmentos - Fernando Pessoa

Arbol de la Esperanza, Mantente firme (Frida Kahlo, 1946)


"Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa
do tamanho do Universo, torna-me, corpo e alma, parte
do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne
noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem
sol esperado que ilumine do futuro."

(O livro do Desassossego, Bernardo Soares)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A luz irrompe onde nenhum sol brilha - Dylan Marlais Thomas

El sol y la vida (Frida Kahlo, 1947)


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"A luz irrompe onde nenhum sol brilha;
onde não se agita qualquer mar, as águas do coração
impelem as suas marés;
e, destruídos fantasmas com o fulgor dos vermes nos cabelos,
os objectos da luz
atravessam a carne onde nenhuma carne reveste os ossos.
Nas coxas, uma candeia
aquece as sementes da juventude e queima as da velhice;
onde não vibra qualquer semente,
arredonda-se com o seu esplendor e junto das estrelas
o fruto do homem;
onde a cera já não existe, apenas vemos o pavio de uma candeia.
A manhã irrompe atrás dos olhos;
e da cabeça aos pés desliza tempestuoso o sangue
como se fosse um mar;
sem ter defesa ou protecção, as nascentes do céu
ultrapassam os seus limites
ao pressagiar num sorriso o óleo das lágrimas.
A noite, como uma lua de asfalto,
cerca na sua órbita os limites dos mundos;
o dia brilha nos ossos;
onde não existe o frio, vem a tempestade desoladora abrir
as vestes do inverno;
a teia da primavera desprende-se nas pálpebras.
A luz irrompe em lugares estranhos,
nos espinhos do pensamento onde o seu aroma paira sob a chuva;
quando a lógica morre,
o segredo da terra cresce em cada olhar
e o sangue precipita-se no sol;
sobre os campos mais desolados, detém-se o amanhecer."
(Tradução: Fernando Guimarães)

domingo, 11 de julho de 2010

O jogo da Amarelinha - Julio Cortázar



"O pior não é tanto estarmos sós,
pois isso já
é sabido e nem tem solução.
Estar só, é, definitivamente,
estar só dentro de um certo plano, nos
quais outras solidões poderiam
comunicar-se conosco se a coisa fosse
possível."

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Campo de flores - Carlos Drummond de Andrade



"Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde."

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Ternura - Vinicius de Moraes






“Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o extático da aurora.”

O seu Santo Nome - Carlos Drummond de Andrade






“Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem a razão acima de toda razão (e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura
sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.”

Além da Terra, além do céu - Carlos Drummond de Andrade




"Além da Terra além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o sentimento e o
coração, vamos !

Vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver."

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aninha e suas pedras - Cora Coralina




"Não te deixes destruir
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras, planta roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede."

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Velho poder - Alcides Buss




"Meu amor será clara
brevidade...

Amarei , estranhamente a muitos,
à maneira das crianças.

Pássaro e navio
serei no mar, essência
numa forma.

Viverei, água maleável,
ouro consistente:
límpida harmonia.

Saberei ser um só
em tanta coisa."

(In: Contemplação do Amor)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Aceitação - Cecilia Meireles



On the Mooring - Michael Kahn



”É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens

e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.”