(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


domingo, 20 de maio de 2007

Adotarei o Amor - Khalil Gibran



"Adotarei o amor por companheiro e o escutarei cantando, e o beberei como vinho, e o usarei como vestimenta. Na aurora, o amor me acordará e me conduzirá aos prados distantes. Ao meio dia, conduzir-me-á à sombra das árvores onde me protegerei do sol como os pássaros. Ao entardecer conduzir-me-á ao poente, onde ouvirei a melodia da natureza despedindo-se da luz, e contemplarei as sombras da quietude adejando no espaço. À noite, o amor abraçar-me-á, e sonharei com os mundos superiores onde moram as almas dos enamorados e dos poetas.


Na Primavera, andarei com o amor, lado a lado, e cantaremos juntos entre as colinas; e seguiremos as pegadas da vida, que são as violetas e as margaridas; e beberemos a água da chuva, acumulada nos poços, em taças feitas de narciso e lírios. No Verão, deitar-me-ei ao lado do amor sobre camas feitas com feixes de espigas, tendo o firmamento por cobertor e a lua e as estrelas por companheiras.


No Outono, irei com o amor aos vinhedos e nos sentaremos no lagar, e contemplaremos as árvores se despindo das suas vestimentas douradas e os bandos de aves migratórias voando para as costas do mar.


No Inverno, sentar-me-ei com o amor diante da lareira e conversaremos sobre os acontecimentos dos séculos e os anais das nações e povos.

O amor será meu tutor na juventude, meu apoio na maturidade, e meu consolo na velhice. O amor permanecerá comigo até o fim da vida, até que a morte chegue, e a mão de Deus nos reúna de novo."





sexta-feira, 11 de maio de 2007

Mãe, eis a tua flor... e a minha saudade...


Minha mãe possuía a sabedoria para encantar plantas e pássaros. Ao menos, era o que eu pensava toda vez que a via alimentar beija-flores ou via as sementes que ela plantava germinarem. Admirada com essa misteriosa sintonia com a natureza, desde criança perguntava a ela:

- Como se faz para que todas as sementes e galhos se transformem em plantas... e flores... e os passarinhos, ao visitá-las, também se acostumem comigo e não tenham medo de mim?

- É simples, respondia ela. Toda vez que lançares uma semente à terra, pensa no quanto gostarias de vê-la germinar; imagina a planta já vingada e o prazer de vê-la fecunda, com flores; da mesma forma, imagina aqueles que dela irão se alimentar, porque mais do que a beleza, procurarão a dádiva do alimento, da vida. Mas, olha, esquece de ti nesse momento...não deves fazer isso pensando no teu prazer, na tua vaidade; para que a vida aconteça, é preciso desprendimento, é preciso saber desejar a possibilidade de vida, e isso é muito mais do que desejar a própria satisfação.

Afinal, como se aprende a querer a vida, mãe? Quando tudo o que existe a nossa volta lembra morte, partida, ausência! Como poderia alguém que nunca acreditou na vida fazê-la surgir, em qualquer lugar, em qualquer tempo? Com a chegada da primavera, vejo todas as sementes que guardavas e penso... o que farei com elas? Tenho medo de dá-las à Mãe Terra... irão germinar? Acima de tudo, tenho medo de não ter aprendido a lição... mas se eu não tentar, como continuarão os pássaros a visitar-me, se não mais existirão flores das quais possam se alimentar?

Ah, minha mãe, como é mesmo que se encantam sementes e pássaros?

(A.M.D., 27/09/2000)



Homenagem das filhas que te amam!

quinta-feira, 10 de maio de 2007

O anjo mais velho - O Teatro Mágico




"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu
deixei de acreditar
Tua palavra, tua história
tua verdade fazendo escola
e tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
agora é assim
de um lado a poesia o verbo a saudade
do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
e o fim é belo incerto... depende de como você vê
o novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você..."


sábado, 5 de maio de 2007

Um começo...


Estava pensando como se constrói um início apenas com palavras, já que em nossa vida tudo é construção, desmoronamento e reconstrução. As palavras não têm início e jamais conseguirão abarcar o começo do amor ou da dor, mas afinal, para que servem elas (palavras)?

Como bem disse Riobaldo, servem para perverter a angústia de dentro da gente. Acredito nisso, e quase acredito também que existam epifanias verbais. Através da palavra inauguram-se novos olhares sobre as velhas estradas poeirentas, inclusive aquelas que conduzem ao nosso mais íntimo sentimento.

Acrescentaria outra qualidade intrínseca da palavra, já explorada por Fernando Pessoa: ela possui propriedades mágicas. Tanto evoca formas-pensamento quanto pode servir de matéria-prima para traçar nosso destino. A alquimia das palavras sempre me fascinou, elas são os grãos à beira da praia que formam o conjunto que chamamos de areia; leito que o mar vem beijar, refletem também a luz da lua. Mortalha dos animais marinhos, berço das tartarugas, mas não somente isso: folhas e raízes também.

Soltas como folhas que o vento leva, profundas como as raízes de alguma árvore centenária, que se fixa teimosamente à terra sem saber que tudo nesta dimensão é transitório e efêmero. Ora leves, graciosamente ternas, ora possuindo a força para nos "deslocar" do nosso eixo, mudar nossa trajetória e nos fazer cativos de um encantamento antigo, que remonta anterior à palavra escrita. Tradição oral, destino. Magia?