(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Eros e Psique - Fernando Pessoa



                          ... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas
                                 no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de
                                         adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

                                                           Do Ritual do grau de Mestre do Átrio
                                                           Na Ordem templária de Portugal


"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.


A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino —
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.


E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."


(Presença, n. 41-42, Maio, 1934)


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Iniciação - Fernando Pessoa


“Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
...................................... 
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo. 

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer. 

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

........................................
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na sorte.
Não 'stás morto entre ciprestes.
........................................
Neófito, não há morte.” 

(Presença, nº 35, Maio, 1932.)