(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Esperança - Mario Quintana




Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

(In: "Nova Antologia Poética", São Paulo: Globo, 1998, pág. 118.)




sábado, 27 de dezembro de 2014

Procura da Poesia - Carlos Drummond de Andrade

                                          Projeto Hippocampus, Ipojuca-PE


"Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo."

domingo, 14 de dezembro de 2014

Porto de Galinhas - Dezembro

                                         

                                          




                                         (Município de Ipojuca - PE, 02/12/14)


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Eros e Psique - Fernando Pessoa



                          ... E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas
                                 no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de
                                         adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

                                                           Do Ritual do grau de Mestre do Átrio
                                                           Na Ordem templária de Portugal


"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.


A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino —
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.


E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."


(Presença, n. 41-42, Maio, 1934)


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Iniciação - Fernando Pessoa


“Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
...................................... 
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo. 

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer. 

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.

........................................
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na sorte.
Não 'stás morto entre ciprestes.
........................................
Neófito, não há morte.” 

(Presença, nº 35, Maio, 1932.)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Salmo aos Inimigos - Affonso Romano de Sant'Anna


"Quando jovem
lendo os salmos de David
não entendia por que o rei-poeta
gastava espaço em suas preces
pedindo proteção contra inimigos.
Não sendo rei de nada, digo: Senhor!
- sem permitir que em sua fúria me destruam -
preservai meus inimigos.
Eles me ensinam
o que em mim devo evitar.
Dizem-me coisas
que não dizem os que me amam
por muito amar.
Dai-me novos inimigos, Senhor!
pois para cada um que me intercepta os passos
sempre amigos novos
me abrem os braços
e em cada inimigo descubro
embutido
e pelo avesso
um amigo
trazendo no punhal
guirlandas que nem mereço." 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quando entrar setembro...














Mais um inverno chegando ao fim e, com ele, o período de hibernação. Agora, com a proximidade da primavera, impossível não sentir saudades do jardim da Dona Eva. A beleza em forma de simplicidade.



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Do inquieto oceano da multidão - Walt Whitman




“Do inquieto oceano da multidão
veio a mim uma gota gentilmente
suspirando:


- Eu te amo a longo tempo
fiz uma extensa caminhada apenas
para te olhar, tocar-te,
pois não podia morrer
sem te olhar uma vez antes,
com o meu temor de perder-te depois.


- Agora nos encontramos e olhamos,
estamos salvos,
retorne em paz ao oceano, meu amor,
não estamos assim tão separados,
olhe a imensa curvatura,
a coesão de tudo tão perfeito!
Quanto a mim e a você,
separa-nos o mar irresistível
levando-nos algum tempo afastados,
embora não possa afastar-nos sempre:
- não fique impaciente – um breve espaço -
e fique certa de que eu saúdo o ar,
a terra e o oceano,
todos os dias ao pôr-do-sol
por sua amada causa, meu amor.”



(Leaves of Grass - fragmento, Tradução de Geir Campos)


sexta-feira, 25 de abril de 2014






(Ponta Negra, Natal. Fev/2014)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Poema Nº XVII - Pablo Neruda




"
Pensando, enredando sombras nesta profunda solidão.
Também tu andas longe, ah mais longe que ninguém.
Pensando, soltando pássaros, desvanecendo imagens,
enterrando lâmpadas.

Campanário de brumas, que longe, lá no alto!
Afogando lamentos, moendo esperanças sombrias,
moleiro taciturno,
de bruços te vem a noite, longe da cidade.

A tua presença é alheia, estranha a mim como uma coisa.
Penso, caminho longamente, a minha vida antes de ti.
Vida antes de ninguém, minha áspera vida.

O grito frente ao mar, por entre as pedras,
correndo livre, louco, no bafejo do mar.
A fúria triste, o grito, a solidão do mar.

Desbocado, violento, estirado para o céu.
Tu, mulher, que eras ali, que sulco, que vareta
desse leque imenso? Estavas longe como agora.
Incêndio no bosque! Arde em cruzes azuis.

Arde, arde, chameja, chispa em árvores de luz.
Despenha-se, crepita. Incêndio. Incêndio.
E a minha alma dança ferida por aparas de fogo.
Quem chama? Que silêncio povoado de ecos?

Hora da nostalgia, hora da alegria, hora da solidão,
hora minha entre todas!
Ronca em que o vento passa cantando.
Tanta paixão de pranto, agarrada ao meu corpo.

Sacudir de todas as raízes,
assalto de todas as ondas!
Rodava, alegre, triste, interminável, a minha alma.

Pensando, enterrando lâmpadas nesta profunda solidão.
Mas quem és tu, quem és?
"