(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


domingo, 18 de novembro de 2007

Cárcere voluntário


Perguntam-me porque não escrevo versos

Ora, um poema lido é um poema completo

Seu corpo - a linguagem

Sua alma - o conteúdo.

Meu espírito fragmenta-se nessa leitura e

Oferecer-te versos meus seria como

Presentear-te um cadáver

Somente a inércia e a frieza da carne.

O corpo do poema alheio é toda a geografia

De que preciso para expandir meus limites

Enquanto minha alma dele permanecer cativa.


Ruiva da Noite

18/11/07

Teimosamente


Certas manhãs corre em minha face

uma lágrima que não é minha

Tento me concentrar na treva que se dissipa

Na névoa que insiste em esconder o horizonte

Bendigo as melodias e aromas da manhã...

Ensaiando um sorriso

Mas meu coração

Se divide entre a euforia da dança - magia

E os acordes da agonia...

Cismo, pasmo, faço cálculos

Refaço caminhos, percorro distâncias

Em segundos

Enfim concluo que as sombras

me confundem, quando o dia amanhece

Restabeleço a paz e a serenidade

Enquanto o sol caminha

A passos lentos, na minha direção

Desfaz-se o nevoeiro

A treva recua

Meu coração se alegra

Ainda uma lágrima solitária

insiste em se fazer notar...


Ruiva da Noite

14/09/07

sábado, 3 de novembro de 2007

Noite - Sophia de Mello Breyner Andresen


Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.

Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,

Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,

Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.

Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem

Tristeza das cigarras a cantar.

Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.


Perdas e Ganhos – Lya Luft


“Fruto de enganos ou de amor,
nasço de minha própria contradição.
O contorno da boca,

a forma da mão, o jeito de andar
(sonhos e temores incluídos)
virão desses que me formaram.
Mas o que eu traçar no espelho
há de se armar também
segundo o meu desejo.
Terei meu par de asas
cujo vôo se levanta desses
que me dão a sombra onde eu cresço
- como, debaixo da árvore,
um caule,
e uma flor.”