(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


sexta-feira, 27 de julho de 2007

Este é o Prólogo - Federico García Lorca


Deixaria neste livro toda a minha alma.
Este livro que viu as paisagens comigo
e viveu horas santas. Que pena dos livros
que nos enchem as mãos de rosas e de estrelas
e lentamente passam !
Que tristeza tão funda é olhar os retábulos
de dores e de penas que um coração levanta !
Ver passar os espectros de vida que se apagam,
ver o homem desnudo em Pégaso sem asas,
ver a vida e a morte, a síntese do mundo,
que em espaços profundos se olham e se abraçam.
Um livro de poesias é o outono morto:
os versos são as folhas negras em terras brancas,
e a voz que os lê é o sopro do vento que lhes incute nos peitos
- entranháveis distâncias.
O poeta é uma árvore com frutos de tristeza
e com folhas murchas de chorar o que ama.
O poeta é o médium da Natureza
que explica sua grandeza por meio de palavras.
O poeta compreende todo o incompreensível
e as coisas que se odeiam, ele, amigas as chamas.
Sabe que as veredas são todas impossíveis,
e por isso de noite vai por elas com calma.
Nos livros de versos, entre rosas de sangue,
vão passando as tristes e eternas caravanas
que fizeram ao poeta quando chora nas tardes,
rodeado e cingido por seus próprios fantasmas.
Poesia é amargura, mel celeste que emana
de um favo invisível que as almas fabricam.
Poesia é o impossível feito possível.


Harpa que tem em vez de cordas
corações e chamas.
Poesia é a vida que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva sem rumo a nossa barca.
Livros doces de versos sãos os astros que passam
pelo silêncio mudo para o reino do Nada,
escrevendo no céu suas estrofes de prata.
Oh ! que penas tão fundas e nunca remediadas,
as vozes dolorosas que os poetas cantam !
Deixaria neste livro
toda a minha alma...



Voltando a postar, estive viajando... e refletindo...:)

quinta-feira, 5 de julho de 2007

"De augúrios da inocência" - William Blake


Ver um mundo num grão de areia,
E um céu numa flor do campo,
Capturar o infinito na palma da mão
E a eternidade numa hora

Um tordo rubro engaiolado
deixa o céu inteiro irado
Um cão com dono e esfaimado
prediz a ruína do estado
Ao grito da lebre caçada
da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
um querubim, seu canto silencia....
....Toda noite e toda manhã linda,
uns nascem para o doce gozo ainda
outros nascem numa noite infinda
Passamos na mentira a acreditar
qdo não vemos através do olhar
que uma noite nos traz e outra deduz,
quando a alma dorme mergulhada em luz
Deus aparece e Deus é luz amada
para aqueles que na noite têm morada
E na forma humana se anuncia,
para aqueles que vivem nas regiões do dia.



A linguagem da alma...

Cada um de nós conhece a linguagem da própria alma, apenas não lembra qual o poema-canção que a constitui. Isso explica porque alguns textos nos "deslocam" do nosso eixo: é um (re)conhecimento da linguagem primordial, aquela que nos traduz em nossa verdadeira essência.

Ao ler um poema que nos "toca", estamos lendo um pedacinho de nós mesmos. A magia instala-se neste (re)encontro com nosso "eu" mais profundo, ainda inexplorado e adormecido, que jaz submerso pela ação do mundo das aparências.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Canção do Vento - Manuel Bandeira


"O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas

O Vento varria as luzes
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...
E a minha vida ficava mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.

O vento varria os sonhos
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
de afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.”


Existem pessoas que se assemelham à água, que contorna qualquer obstáculo, e pela sua insistência modela até a pedra.
Outras lembram o vento, que invade sem perguntas, trazendo perfumes e sussurros dos ausentes, melodias já esquecidas, lamentos, risos. Mesmo quando indesejado, é sinônimo de transformação, puro movimento. Agitando o pó das salas, revolve as folhas mortas, penetra em lugares hermeticamente fechados, preenche todos os espaços...