(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


sábado, 25 de agosto de 2007

O Cisne - Charles Baudelaire


"Andrômaca, só penso em ti! O fio d'água
Soturno e pobre espelho onde esplendeu outrora
De tua solidão de viúva a imensa mágoa,
Este mendaz Simeonte em que teu pranto aflora,

Fecundou-me de súbito a fértil memória,
Quando eu cruzava a passo o novo Carrossel.
Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história
Depressa muda mais que um coração infiel);

Só na lembrança vejo esse campo de tendas,
Capitéis e cornijas de esboço indeciso,
A relva, os pedregulhos com musgo nas fendas,
E a miuçalha a brilhar nos ladrilhos do piso.

(...)

Andrômaca, às carícias do esposo arrancada,
De Pirro a escrava, gado vil, trapo terreno,
Ao pé de ermo sepulcro em êxtase curvada,
Triste viúva de Heitor e, após, mulher de Heleno!

E penso nessa negra, enferma e emagrecida,
Pés sob a lama, procurando, o olhar febril,
Os velhos coqueirais de uma África esquecida
Por detrás das muralhas do nevoeiro hostil;

Em alguém que perdeu o que o tempo não traz
Nunca mais, nunca mais! nos que mamam da Dor
E das lágrimas bebem qual loba voraz!
Nos órfãos que definham mais do que uma flor!

Assim, a alma exilada à sombra de uma faia,
Uma lembrança antiga me ressoa infinda!
Penso em marujos esquecidos numa praia,
Nos párias, nos galés... e em outros mais ainda!"


Dedicado a Victor Hugo.

(in: As Flores do Mal. Poesia e Prosa Poética, edição organizada por Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. p.172-174)




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