(Beth Moon - Ancient Trees: Portraits Of Time, Abbeville Press, 2014)


“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho
da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”

(NERUDA, Pablo. O Caçador de raízes. Antologia Poética, José Olympio, 1994, p. 232.)


domingo, 15 de dezembro de 2013

Ao Mistral (Canção para dançar) - Friedrich Wilhelm Nietzsche





"Vento mistral, caçador de nuvens,
Matador de tristezas, varredor dos céus,
Como te amo, ó vento que ruge!
Não somos os dois primícias
De um só ventre, predestinados
A um só destino eternamente?


Aqui, sobre lisos caminhos nas rochas
Corro dançando ao teu encontro,
Correndo quando assovias e cantas:
Tu que sem navio e sem remo,
O mais livre irmão da liberdade,
Saltas por sobre mares bravios.


Mal acordara, ouvi teu chamado,
Precipitei-me para as falésias,
Para a dourada muralha junto ao mar.
Salve! Como claras, diamantinas
Correntes já vinhas, vitorioso,
Do lado dos montes,


Pelas planuras do céu
Vi os teus corcéis galoparem,
Vi o carro a te elevar,
Vi mesmo a tua mão avançar
Quando, sobre o dorso dos cavalos,
Como um raio brandia o açoite.— 


Do carro te vi saltar
A fim de mais veloz te arrojares,
Como que abreviado em flecha te vi
Cair verticalmente no fundo—
Como um raio de ouro atravessando
As rosas da primeira aurora.


Dança agora sobre mil dorsos,
Dorsos de ondas, malícias de ondas—
Salve quem novas danças cria!
Dancemos de mil maneiras,
Livre— seja chamada a nossa arte
E gaia— a nossa ciência!


De cada flor arranquemos
Um botão para a nossa glória
E duas folhas para a coroa!
Dancemos como trovadores
Entre os santos e as meretrizes
Entre Deus e o mundo inteiro!


Quem com os ventos não pode dançar
Quem precisa em ataduras se envolver,
Enfaixar-se como um velho trôpego,
Quem age como os hipócritas,
Patetas da honra e falsos da virtude,
Ponha-se fora do nosso paraíso!


Agitemos as poeiras das estradas
Nos narizes dos homens doentes,
Atemorizemos todo o bando dos enfermos!
Livremos a costa inteira
Do alento dos peitos ressequidos,
Dos olhares sem ânimo!


Expulsemos quem turva o céu,
Enegrece o mundo e afasta as nuvens,
Tornemos mais claro o reino dos céus!
Ouça-se o nosso rugido... Ó espírito
De todos os espíritos, junto contigo
Ruge a minha felicidade como uma tempestade.


— E para eternizar a memória
De tal felicidade, toma teu legado,
Leva contigo esta coroa para cima!
Lança-a mais alto e mais longe e,
Escalando impetuoso a escada celeste,
Pendura-a— nas estrelas!"


 (In: A Gaia Ciência, tradução de Paulo César de Souza)



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